O III Fórum Mundial do Desenvolvimento Local transformou Turim na capital das prefeituras dos cinco continentes. O evento deu sequência aos anteriores fóruns realizados na Espanha e no Brasil. A concentração de tão diferentes idiomas parece um paradoxo de quem pretende falar e apelar numa só língua, que seja capaz de traduzir a unificação e a valorização dos territórios locais em busca de uma tutela maior por parte dos respectivos governos estaduais e federais. Os continentes podem ser diferentes, mas os problemas, principalmente aqueles ligados à identidade de uma comunidade, de um povoado, de um vilarejo, parecem os mesmos — distintos e diferentes somente nas “embalagens” e muito semelhantes nos “conteúdos”. Os prefeitos de cidades como Belo Horizonte, Belgrado, Dakar, Maputo e Belém, apenas para citar algumas, podem alavancar as reivindicações comuns a todos os municípios que pretendem dar mais qualidade de vida aos seus habitantes, criando uma ponte construtiva entre as gerações do passado e do futuro, entre as tradições e as inovações.
O Fórum reuniu representantes de 130 países e ocorreu de 13 a 16 de outubro, duas semanas depois da realização da Assembleia Geral das Nações Unidas, que aprovou a Agenda dos Novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Panfletos e bandeiras como esta já são vistos com desconfiança por quem trabalha, ombro a ombro, corpo a corpo, mente a mente, diretamente com questões como o direito à água, à terra para a agricultura, luta contra a fome e as doenças, acesso à educação, consumo consciente, proteção do meio ambiente, igualdade entre os sexos, paz e justiça, trabalho digno, crescimento econômico e melhor redistribuição de renda.
Os cerca de dois mil participantes, entre eles 300 prefeitos, sabem perfeitamente que o mundo e o cemitério estão cheios de boas intenções, ignoradas pelo primeiro e enterradas no segundo. A tomada de consciência se deu observando-se que muito pouco foi feito pelos governos federais em prol das comunidades locais. A bem da verdade, algumas melhorias foram notáveis, embora muito aquém do ideal: entre 1990 e 2010, houve uma redução de 22% da quantidade de pessoas que viviam em extrema pobreza (com menos de 1,25 dólares por dia) em zonas em desenvolvimento; em 2012, quase 90% da população mundial teve acesso a uma fonte de água potável, contra 76% em 1990; a mortalidade infantil (abaixo dos 5 anos) foi reduzida a 50%, mas a falta de prevenção ainda é a campeã dos óbitos: além disso, uma criança em cada quatro sofre de desnutrição.
A lista é longa e parece um elenco das utopias humanas. Entre elas, a falta de respeito aos índios, os primeiros habitantes do Brasil.
— Queremos trazer parcerias à nossa região de Roraima para fortalecer o nosso movimento e manter a proteção aos indígenas. Temos 32 terras demarcadas, 46% das terras do estado. E o que queremos hoje é nos organizar como indígenas, mantendo a nossa liberdade, a nossa identidade, a nossa cultura, e, claro, um desenvolvimento sustentável, respeitando a natureza. Queremos que o mundo saiba que existe um povo indígena — diz o cacique da tribo Macuxi, Ivaldo André, vice-coordenador do Conselho Indígena de Roraima, à Comunità.
Missão Consolata levou os índios a Turim
O cacique denuncia a falta de respeito pelas terras indígenas.
— No momento, as pessoas não respeitam a nossa terra. Nem o governo respeita e quer tirar o nosso direito garantido à demarcação das nossas terras, da Funai. A PEC 215, que tira do órgão e passa para o Congresso Nacional a demarcação, é muito ruim para nós. O fazendeiro invade a terra e impede a produção indígena, depois tem o garimpeiro que chega, degrada, polui e destrói a mata, a floresta — denuncia Ivaldo, que veio a Turim junto com o jovem índio Enock.
Ambos foram trazidos pela missão Consolata, presente há cem anos na serra da Raposa do Sol e há meio século em Catrimani, com os Yanomâmi. Depois de Turim eles ainda viajaram pela Itália para agradecer as doações e relatar as dificuldades e os desafios que enfrentam para proteger as suas terras da invasão dos brancos — uma disputa que dura mais de 500 anos.
No papel, os índios, assim como os camponeses pobres da América Latina e os lavradores dos países africanos, contam com os esforços da ONU pelo incremento dos esforços para atingir os resultados previstos, através da descentralização do poder e da estima dos agentes e instituições locais. A nova agenda das Nações Unidas depende, fundamentalmente, da centralização do desenvolvimento territorial e da intensidade de propulsão econômica das realidades locais.
— Os objetivos e os desafios mais importantes da Agenda para o Desenvolvimento pós-2015 dependem das ações locais. Um plano de desenvolvimento local integrado e de inclusão, que abrace todos os agentes e atores, é um instrumento essencial para a promoção da credibilidade e da integração das três dimensões do desenvolvimento: social, econômico e ambiental — Helen Clark, presidente do grupo da ONU para o Desenvolvimento.
O secretário-geral da ONU, o sul-coreano Ban Ki-moon, afirma que “os objetivos do desenvolvimento sustentável fazem parte de um programa das pessoas, um plano de ação para pôr fim à pobreza em todas as suas dimensões, de modo irreversível: em todo o mundo, sem deixar ninguém para trás”.
Prefeito de Belo Horizonte participa como presidente da Frente Nacional de Prefeitos
O prefeito da cidade de Belo Horizonte e presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Marcio Lacerda, lembra que “este é um momento de crise, de desafios e também de oportunidades de mudar a forma de como fazer política, de como definir as prioridades, de como distribuir privilégios ancorados na máquina pública, ainda mais em momentos críticos, quando elas se tornam ainda mais inaceitáveis. Se não voltarmos a ter crescimento, o país vai ter graves consequências políticas do ponto de vista social, e já está tendo. Enquanto a crise política não for resolvida, nós não voltaremos a ter crescimento econômico”, alerta ele.
O tema principal atende pelo vocábulo inclusão. Os três principais temas estão ligados entre si, exatamente pelo significado mais amplo da ação de incluir. A competitividade regional e a inovação para um desenvolvimento sustentável valem apenas se a inclusão for fomentada. A geração de novos empregos somente pode existir se houver a inclusão. Enfim, a urbanização sustentável, criada através de programas virtuosos de ligação e coexistência entre os meios urbanos e rurais, também tem que incluir quem ficou à margem da sociedade, ou seja, a periferia fora da lei, discriminada e transformada em guetos, à deriva da ordem e do progresso, este último, sim, sustentável, claramente.
Sebrae defende o apoio aos pequenos negócios como forma de inclusão social
Não por acaso, o fórum foi organizado por instituições que estão na linha de frente desta batalha, entre elas a Organização Internacional do Trabalho, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o município de Turim, a União das Cidades e dos Governos Locais, o Fundo Andaluz dos Municípios para a Solidariedade Internacional e a Organização das Regiões Unidas, além do Sebrae.
— Nós trazemos aqui a nossa experiência no desenvolvimento dos pequenos negócios e viemos para criar conexões com as agendas públicas, com as grandes empresas, mas, sobretudo, construir instâncias de participações nas quais os pequenos negócios possam influenciar e se incluir nas agendas públicas, nas cadeias de fornecimento das grandes empresas. E, com isso, promover um processo rigoroso de inclusão econômica. Estamos aqui para traduzir o modelo do Brasil de como na prática se concilia o crescimento econômico com a inclusão social através do desenvolvimento sustentável. Buscamos muita coisa aqui na Itália, terra da pequena e média empresa, mas avançamos muito e adaptamos às condições de um país em desenvolvimento. Fala-se muito de parceria público-privado, mas nos interessa mais a privado- público — explica à Comunità o gerente de política e desenvolvimento territorial do Sebrae, Bruno Quick.
O Sebrae tirou 40 milhões de pessoas da pobreza e deu dignidade a quem empreendia na clandestinidade, afirma o gerente, lembrando que todo o poder tende para a concentração nas mãos de poucos e deixa muitos fora. Esta dispersão da maioria requer organização, união, um trabalho intenso de parcerias e de rede, com busca de justiça social para democratizar as oportunidades.
— Temos no Brasil um processo rigoroso de desburocratização, de acesso à informação, à inovação e ao crédito, além da prioridade da União de realizar compras públicas em regiões, dando preferência à participação de empresas locais. A roda está girando para outro lado, o que inclui e não o que exclui — garante o representante do Sebrae.
Programa de qualificação de mão de obra do interior fluminense é mostrado como exemplo
O exemplo brasileiro também chega de pequenas cidades, como Três Rios (RJ), que tem 90 mil habitantes. O prefeito Vinícius Farah afirmou que a especialização da mão de obra deve ser feita em função das empresas que se preparam para se instalar na região.
— O nosso município tem uma política de incentivos a todos os segmentos que movimentam a economia de uma cidade, as grandes, as médias, as pequenas e as microempresas, e o empreendedor individual, bem apoiado pela política do Sebrae, que a faz com muita competência. Nos últimos seis anos, 1.977 empresas se instalaram no nosso município. Ao longo deste tempo, formalizamos quase quatro mil empreendedores individuais. Trazemos aqui o nosso modelo simples. Multiplicamos a nossa receita orçamentária e apoiamos todos os segmentos de empreendedores. Estamos desburocratizando e qualificando a mão de obra local, a uma média de 15 mil pessoas por ano. Assim, quando o empreendimento ficar pronto, podemos oferecer mão de obra qualificada — relata Farah à Comunità.
Marcio Lacerda, representando a FNP, assinou um acordo de cooperação técnica com a entidade italiana, lembrando que muitas cidades já fazem isso.
— Belo Horizonte, no campo da educação infantil, tem uma parceria com a região de Emília-Romanha. E isso tem nos ajudado bastante, pois uma das marcas da nossa gestão é o investimento na educação de crianças abaixo dos cinco anos — diz.
De olho no futuro, e avô de quatro netos, ele conclui afirmando que “Belo Horizonte é uma cidade que tem muito boa qualidade de vida, de onde as pessoas não se mudam; uma cidade grande, mas acolhedora e com jeito de província, onde as pessoas estão ocupando cada vez mais as praças, os espaços públicos”.
— Temos uma cultura de fortes raízes e com uma produção local que está se transformando em um valor econômico. Para 2030, queremos uma cidade de oportunidades sustentáveis e com qualidade de vida — conclui o prefeito.