{mosimage}O Movimento 5 Stelle, liderado pelo cômico Beppe Grillo, é a primeira força política na Itália
As eleições políticas dos dias 24 e 25 de fevereiro não expressaram uma maioria homogênea. O Partido Democrático (PD) de Pier Luigi Bersani e o Povo da Liberdade (Pdl), liderado por Silvio Berlusconi, sofreram uma grave hemorragia de votos. O vencedor moral das eleições é o cômico genovês Beppe Grillo, 64 anos, chefe político e líder carismático do Movimento 5 Estrelas (M5S) que, com 25,5% dos votos conseguidos na Câmara, se torna o partido vencedor na Itália. Um resultado que reverte as previsões da véspera e desmente todas as pesquisas: o PD já estava saboreando a volta ao governo, possivelmente junto com a chapa apresentada pelo ex-primeiro ministro Mario Monti, enquanto se pensava que o Pdl estivesse liquidado, mesmo com uma leve retomada nas últimas semanas.
Mas o desempenho de Monti ficou muito abaixo das expectativas, ficando em cerca de 10%, e o PD (como, em parte, o Pdl) cedeu milhares de votos para Grillo, capaz de interceptar o mal-estar da sociedade italiana, duramente atingida pela crise e com vontade de reduzir os privilégios da política. Bersani pagou pela fidelidade ao governo de tecnocratas liderados por Monti, que, com a Itália prestes a sucumbir, tornou-se protagonista de manobras e reformas que melhoraram as contas públicas, mas agravaram a condição econômica das classes média e baixa.
Ao longo da campanha eleitoral, Bersani não empolgou os italianos e se promoveu como figura séria e responsável, embora preocupado essencialmente em acalmar os mercados. Ao contrário, Berlusconi conseguiu, inesperadamente, subir de novo, ao falar para a “barriga” do país: afastou-se do anterior governo Monti, que até o Pdl tinha apoiado, evocou polêmicas antieuropeístas e lançou um programa agressivo, que previa a devolução do Imu (imposto sobre bens imobiliários), a isenção de impostos sobre contratações de jovens e a desoneração da folha da construção civil. Promessas difíceis de serem cumpridas tendo em vista a situação das contas públicas. No entanto, conquistaram os eleitores.
A força que, acima de todas as outras, soube interpretar o desejo de mudanças e as necessidades dos italianos, porém, é o Movimento 5 Stelle. Entre seus trunfos, está a abolição das províncias e dos pequenos municípios (considerados fontes de desperdícios), o cancelamento do financiamento público dos partidos, uma drástica redução dos salários dos parlamentares e a anulação dos vitalícios. Além disso, Grillo propõe relançar a economia com um vasto plano de obras públicas ao favorecer o acesso das pequenas empresas ao crédito e pretende tutelar as classes menos favorecidas através de renda garantida para os desempregados e a luta contra a precariedade no trabalho. Ainda aposta com vigor na energia verde, na defesa do meio ambiente e na ação de contraste aos lobbies financeiros, e afirma estar pronto para organizar um referendo a fim de permitir aos italianos ficarem ou não na Zona Euro.
A base organizacional do Movimento 5 Estrelas é a rede, “onde um vale um”, segundo o mote de Grillo. Mas, se alguém se distancia da linha, fica de fora: vários ex-expoentes ‘grilinhos’, réus por terem criticado a pouca democracia interna ou por terem se esquivado da regra de não participar de talk-shows televisivos, foram expulsos do movimento e “processados” publicamente na web. A polêmica contra “jornais e TVs subjugadas” é outro argumento dos grilinhos. No último showmício da campanha eleitoral, onde cerca de 800 mil pessoas lotaram a Praça São João em Roma, os jornalistas estrangeiros tiveram acesso à área reservada para a imprensa, enquanto a maior parte de seus colegas italianos foi deixada de fora, sendo necessária a intervenção da polícia para que fosse respeitado o direito de cobrir a matéria. Todos os candidatos do Movimento foram escolhidos na web por cerca de 100 mil simpatizantes, que tinham se inscrito no site até 30 de setembro passado. Ao Parlamento chegam 108 deputados e 54 senadores grilinhos, dos quais se sabe muito pouco: suas biografias foram postadas na rede, mas, entre os neoparlamentares, não figuram rostos conhecidos, políticos profissionais ou celebridades do mundo do espetáculo. Na média, são muito jovens, com um elevado grau de instrução. Nenhum deles tem pendências jurídicas.
O cômico genovês Beppe Grillo e seu homem-sombra Caseleggio
Porém, o verdadeiro catalizador dos consensos, Beppe Grillo, cômico irreverente e visionário, é capaz de presentear com uma esperança de mudança e de canalizar a raiva dos italianos. Na política de “teatro de revista” dos últimos 20 anos, o mambembe genovês consegue parecer até mais crível e respeitável do que seus antecessores. Nas décadas de 1970 e 1980, suas aparições televisivas nos principais programas nacionais provocam sérias saias justas entre os dirigentes da Rai: sua forma de fazer espetáculo, de fato, se revela cada vez mais mordaz e voltada para temas espinhosos, de caráter político e social. Ele dedica-se também ao cinema. Realizou alguns filmes com diretores, como Luigi Comencini e Dino Risi. Em 1994, após seis anos da sua última aparição, volta para a televisão com dois shows do teatro Delle Vittorie de Roma, que abordam como tema principal a crítica da economia e dos comerciais. Cada transmissão é acompanhada por 15 milhões de italianos. Apesar do enorme sucesso de público, será banido por muito tempo das redes televisivas nacionais.
No entanto, sua popularidade não é prejudicada: Grillo dá vida a uma série de apresentações em teatros e estádios, nas quais contesta as distorções das finanças, ressalta os paradoxos de um sistema econômico que favorece o desperdício e a poluição, e lança insultos contra a corrupção e os privilégios dos políticos italianos. O público o acompanha com interesse e paixão cada vez maiores. Nos primeiros anos deste século, cria o blog, a partir do qual tomará forma a aventura política que o levará à conquista do Parlamento italiano.
Gianroberto Casaleggio, milanês de 58 anos, se torna seu homem-sombra. É sócio fundador e presidente da Casaleggio Associati Srl, sociedade informática e editorial que se ocupa de consultoria em matéria de estratégias de rede e que cuida também do blog de Grillo. Junto com Grillo, em 2009, funda o Movimento 5 Estrelas. Considerado o guru e inspirador da nova força política, Casaleggio atrai suspeitas e antipatias. Nele não confiam muitos simpatizantes do Movimento: temem que o histriônico empresário lombardo queira se aproveitar economicamente da nova aventura política.
De todo modo, é Grillo quem põe para fora sua cara, é Grillo quem entra em sintonia com sentimentos e pensamentos dos italianos e é Grillo quem atrai um extraordinário volume de consensos. Sua campanha eleitoral, antes da votação, é um irresistível espetáculo político que arranca gargalhadas e mexe com os corações e as mentes dos observadores. O título é eloquente: Tsunami Tour. Como uma irrefreável onda, Grillo enche as praças das principais cidades do país, lança propostas revolucionárias e se atira contra a classe política que governou nos últimos 20 anos.
“Rendam-se”, grita, do palco. “Estão cercados”, completa. Define Berlusconi “o psicoanão”; renomeia Monti de “Rigor Montis”; e ridiculiza Bersani, a quem compara a Gargamel, o sujeito mau dos Smurfs.
E é exatamente com Bersani, poucos dias antes da votação, que Grillo começa uma áspera polêmica. “Grillo é um bilionário, enquanto eu sou filho de um frentista” — ataca Bersani. Grillo replica, orgulhoso: “Eu ganhei meu dinheiro trabalhando, enquanto ele é um parasita da política”.
Por ironia do destino, nas condições de ingovernabilidade em que se encontra o país, poucas horas após o voto, Bersani é obrigado a ceder para Grillo. De fato, é o líder da coligação que detém a maioria na Câmara e tem a tarefa de formar o novo governo. Mas as margens desta manobra são muito apertadas. A única certeza é que a Itália não pode se dar ao luxo de ficar sem um guia. Caso contrário, poderá causar graves turbulências dos mercados. Nestes dias, estão em andamento consultas entre os representantes dos partidos.
Saiba quais são os cenários mais prováveis para o novo governo
1ºGoverno Pd com apoio externo do Movimento 5 Stelle
Bersani está pronto para levar ao Parlamento uma agenda com uma série de temas importantes para os ‘grillinos’ (lei anticorrupção, conflitos de interesses, custos da política, intervenções na economia e nos direitos, revisão da lei sobre os reembolsos eleitorais). O objetivo é manter o voto de confiança por parte do Movimento 5 Stelle, realizar uma série de procedimentos urgentes e, depois, votar. Novamente. Porém, Grillo já comunicou que não dará voto de confiança a nenhum executivo formado por Pd ou Pdl. O jogo poderia mudar se Bersani voltasse atrás e indicasse uma figura que agrade aos ‘grillinos’ no papel de premier.
2ºGoverno de saúde nacional Pd-Pdl
A proposta já foi lançada pelos ‘berlusconianos’ e agrada mais à ala dos democráticos, mas sofre pela seca oposição tanto da base, quanto da parte majoritária do Pd. Com efeito, o principal partido do centro-esquerda arriscaria um irreversível desgaste.
3ºProrrogação do governo Monti
É a solução que mais agrada aos ‘grillinos’: tratar-se-ia de manter em vida por mais seis meses o executivo ainda no cargo, que, porém, seria privado da iniciativa legislativa, devolvendo a centralidade ao parlamento. Mas neste caso também é necessário o voto de confiança, que o Movimento 5 Stelle anunciou não querer conceder. Um recurso técnico poderia ser aquele de atrasar cientificamente o andamento das consultas.
4ºNovo governo técnico
Hipótese possível, embora remota, que arriscaria esgotar o país após o “parênteses” Monti. Também começam a rarear as personalidades externas dotadas da credibilidade necessária para assumir a liderança do país.
5ºGoverno Grillo com o apoio Pd
Poderia ser o movimento do desespero para os democráticos, que deveriam aceitar o voto de confiança em um governo 5 Stelle, do qual estariam excluídos. Por outro lado, obteriam o duplo resultado de obrigar Grillo a ‘sujar’ as mãos, freando sua ascensão ligada ao voto de protesto, e de marginalizar definitivamente Berlusconi.
6ºNova votação imediata
Mais uma ameaça do que uma concreta possibilidade, já que voltar às urnas sem mudar a lei eleitoral significa correr o risco de se obter os mesmos resultados e uma idêntica situação de impasse.
Bersani e o Brasil
Um governo liderado por Bersani, secretário do principal partido de centro-esquerda italiano, poderia contribuir na redução das distâncias entre Itália e Brasil. A relação entre os dois países alcançou a sua baixa histórica no final de 2010, quando o ex-presidente Lula se recusou a extraditar Cesare Battisti. O governo italiano, na época liderado por Silvio Berlusconi, ao longo de várias semanas, cuspiu veneno contra Lula, criando um clima de tensão entre os duas nações. A decisão foi contestada até por muitos expoentes do partido de Bersani, mas com tons bem mais calmos, e sem ultrapassar os limites do recíproco respeito institucional. Bersani e Lula, poucos meses depois, tiveram um amigável encontro em Madri, na Global Progress Conference, que reúne os líderes progressistas do mundo inteiro. Uma eventual liderança de Bersani, caracterizada por uma matriz política e cultural parecida com a de Dilma Rousseff, sem dúvida, poderia favorecer o diálogo entre os dois países.