Nobre italiano que dedicou sua vida a conhecer a terra e o povo da região amazônica, Ermanno Stradelli ganha ciclo de homenagens em São Paulo
Antropólogo, etnógrafo, linguista, tradutor, fotógrafo e jurista italiano, Ermanno Stradelli foi um dos pioneiros no estudo e na difusão da Amazônia indígena brasileira e um dos profissionais de maior destaque do universo científico ítalo-brasileiro no último século. Por ocasião dos 90 anos de sua morte, Stradelli foi homenageado em uma série de eventos durante os meses de outubro e novembro, organizados pelo Instituto Italiano de Cultura de São Paulo. Foi uma oportunidade de levar ao conhecimento do público brasileiro um pouco da vida e dos feitos de um personagem hoje pouco mencionado, mas cuja influência ainda é sentida nas tribos amazônicas com as quais travou contato nas últimas décadas do século XIX e início do século XX.
Nascido em 1852 na cidade de Piacenza, no norte da Itália, membro de uma influente família de nobres, o conde Ermanno Stradelli usou seu patrimônio pessoal para financiar expedições de norte a sul do território amazonense, com o objetivo de estudar a geografia, a hidrografia e as populações da Amazônia brasileira. Aos 27 anos, chegou ao Brasil, onde viveu até sua morte, ocorrida em Manaus, em 1926. Suas viagens, feitas na maior parte das vezes sem qualquer apoio de governos ou instituições, não ficaram restritas ao Brasil. Pelo rio Solimões chegou até Loreto, no Peru, enquanto o rio Uapés o conduziu até a cidade colombiana de Mitu e, durante uma expedição para chegar à nascente do rio Orenoco, percorreu parte da Venezuela.
O conhecimento geográfico e etnográfico adquirido ao longo de tais explorações teve o reconhecimento de seus contemporâneos: ele foi convidado para fazer parte da Comissão de Limites Brasil-Venezuela, em 1882, e para participar do estabelecimento de colônias militares em uma expedição ao longo do rio Branco, em 1888. Também integrou uma missão de contato com grupos indígenas no rio Jauapery, em 1884.
A partir de cartas geográficas e informações recolhidas em suas expedições, desenhou um mapa do estado do Amazonas em 1901, que pelos 30 anos seguintes foi o mapa oficial utilizado nas escolas amazonenses. Em seus relatórios de viagem, publicados entre 1887 e 1899, no Boletim da Sociedade Geográfica Italiana, Stradelli fez valiosas observações sobre a história e os costumes dos povoados e assentamentos visitados. Descreveu cada aspecto das tribos com as quais entrou em contato — suas línguas, mitos, rituais, tradições e organização social —, sem deixar-se levar por preconceitos, além de mostrar uma admiração sincera pela riqueza das culturas nativas. Suas obras, em particular o Vocabulário Nheengatu-Português e Leggenda del Jurupari, transcrição de lendas sobre o rio Jurupari, é considerada até hoje uma importante referência para pesquisadores.
Livro e exposição fotográfica
Para celebrar a figura de Stradelli, o Instituto Italiano de Cultura de São Paulo, em parceria com a editora Unesp, promoveu, em outubro, o lançamento do livro A única vida possível. Itinerários de Ermanno Stradelli na Amazônia, organizado por Livia Raponi, pesquisadora, adida cultural do Ministério das Relações Exteriores da Itália e vice-diretora do Instituto.
— Minha pesquisa sobre Stradelli começou em 2004 e se desenvolveu primeiro na Itália, em várias bibliotecas e arquivos públicos, e, a partir de 2011, também no Brasil, em particular em Manaus e Tefé, cidade onde ele se fixou durante sua longa permanência no Amazonas — explicou Livia.
Stradelli foi o primeiro a publicar uma versão completa do ciclo mitológico do Jurupari, herói central na concepção cosmológica dos indígenas.
— Ele foi um intérprete, um revelador e um incansável divulgador da Amazônia indígena. Um mediador atento e perspicaz, que soube criar uma ponte entre os povos indígenas da Amazônia e a Europa dos círculos literários e científicos — descreveu Livia.
O ciclo de homenagens contou também com a exposição fotográfica “Nos passos de Stradelli. Viagem à Amazônia”, que reuniu uma seleção de imagens produzidas ao longo de suas expedições no Amazonas e fotografias contemporâneas do italiano Graziano Bartolini.