O imortal da Academia Brasileira de Letras Marco Lucchesi mostra o vigor de sua obra entre história e poesia
O escritor ítalo-brasileiro Marco Lucchesi acaba de lançar, em Lucca, uma antologia de sua poesia italiana, ao mesmo tempo em que aparece em português seu novo livro de poemas Clio, em São Paulo. O autor falou à Comunità sobre a sua produção poética e sua nova obra.
ComunitàItaliana – Você acaba de publicar pela Editora Globo um livro de poemas. Por que se chama Clio?
Marco Lucchesi – Clio é a musa da História, da gramática do tempo e das gentes. Clio é também filha da Memória. E portanto há toda uma poética profunda ao evocar seu nome. Tenho interesse pela relação da poesia com a história. Uma densa nuvem de significados. Clio é portanto essa musa ambígua, essa narrativa da passagem dos impérios e das línguas.
CI – A propósito de línguas, você utiliza termos antigos, sobretudo quinhentistas. Qual a razão?
ML – Porque penso a História a partir da sensibilidade brasileira. Ou melhor: luso-brasileira. E ela começa no século XVI, com a poesia e a narrativa das descobertas. Utilizo alguns vocábulos antigos, mas com um sentido existencial, contemporâneo. Não procuro necessariamente dom Sebastião, mas a metáfora da busca, do caminho a fazer, que ele incorpora nas páginas de Clio e que responde pela incerteza de nosso tempo e que respiramos a plenos pulmões.
CI – Você fala também de insônia. Qual a relação dela com Clio?
ML – A História com seu esforço narrativo. E a insônia com seu desforço poético frente ao registro do passado. A História escreve. A insônia apaga. A História é ruidosa, plena de som e fúria. A insônia é filha do silêncio e do vazio. Sua textura existe à medida que se desfaz. Agostinho ensina que uma das tarefas da memória consiste no esquecimento.
CI – Por que você intitulou a primeira parte do livro de “Prólogo Febril”?
ML – Porque se trata com efeito de um prólogo. A febre faz com que as coisas sejam vistas de uma forma próxima e distante. Ficamos um pouco alheios. As coisas adquirem nova dimensão. Eu precisava começar por um delírio poético, ao buscar na Índia a história do futuro, não exatamente a do passado. Assim misturo os tempos. Ficamos livres do passado. Tudo é presente. O único tempo que vale é o agora.
CI – Você publicou o livro Irminsul, que reúne sua obra poética em italiano, elogiada por Mario Luzi, Giuseppe Conte, Barberi Squaroti, entre outros. Há muitas línguas italianas dentro dele? Comecemos pelo título.
ML – Reuni os livros, completamente revistos. O título vem da ópera Norma, de Bellini. Como se eu escrevesse fora de Roma, ao sul do antigo Império. Como se o título quisesse dizer “ir ao sul”, para alcançar esta Roma americana, como disse Darcy Ribeiro. São várias línguas italianas, antiga e moderna, da tradição e da ruptura, juntas, a que se alia um discreto léxico da província de Lucca, sobretudo na parte em prosa.
CI – E quanto à sua obra poética reunida, em português?
ML – Penso em realizá-la mais para frente. Revisei completamente todos os livros, como Bizâncio e Alma Vênus, os que mais sofreram cortes e modificações, além de pequenos ajustes em Sphera e Meridiano celeste. Aguardo apenas a saída de outros livros de poesia para integrá-los num movimento delicado, dentro das páginas de um só volume.