{mosimage}Quem assiste a um show de Sandy Müller, tem a possibilidade de encontrá-la em outro ambiente e ainda iniciar uma conversa, surpreende-se com a timidez expressa através de uma voz baixinha e quase frágil, contrária àquela com qual canta firme e suavemente os acontecimentos da vida cotidiana. Jovem cantora e compositora ítalo-brasileira, Sandy vem fazendo sucesso na Itália com seu primeiro cd, lançado em novembro do ano passado pela Sony BMG, sob licença da Cozinheira Music.
Há cerca de oito meses do lançamento de seu primeiro cd, Sandy se diz satisfeita com o resultado que vem obtendo entre a crítica e um público composto por brasileiros e italianos das mais variadas idades.
— Graças a Deus o pessoal está gostando. Eu não imaginava uma reação tão positiva – confessa.
Como tudo começou
Sandy conta que a música entrou na sua vida através de seus pais, brasileiros de São Paulo e Rio de Janeiro. A cantora revela que o português foi a primeira língua por ela aprendida. Mas, na realidade, sempre viveu em um ambiente ítalo-brasileiro, não somente por ter nascido na Itália, mas pelas origens italianas de parte de sua família.
— Meu pai nasceu em São Paulo. Mas quando tinha nove anos, meus avós, italianos residentes no Brasil, decidiram voltar para a Itália. Enquanto isso, meu avô era embaixador do Brasil em Roma. Foi nessa época que minha mãe conheceu
meu pai. Mas quando ela alcançou dezoito anos, ela teve que seguir a família que estava indo para Taiwan por conta da embaixada. Meu pai foi atrás dela e eles se casaram lá mesmo. Depois voltaram para a Itália onde eu e minha irmã nascemos — relata.
Sandy declara ser um perfeito misto das culturas brasileira e italiana e diz que a melodia, além de fazer parte de seu DNA, contribui para a formação de um laço mais estreito com o Brasil. Ela conta que os textos de suas canções nascem de vários modos.
— Às vezes são simplesmente reflexões anotadas em uma folha de papel. Criar uma melodia é simples . Geralmente a música já está presente no som das próprias palavras ou são as melodias que inspiram a letra. A emoção inspirada pela canção dita o texto — revela.
Mas, a cantora e compositora também confessa que, muitas vezes, o som de uma palavra a inspira e faz “brincar” um pouco com os ritmos e sons de outras para chegar a uma harmonia e compor o texto.
— Eu me interesso muito pela realidade, gosto de encontrar nos outros aquilo que é semelhante a mim — enfatiza.
É exatamente no cotidiano que Sandy busca sua inspiração, como é possível constatar através de canções como “Samba da cozinheira” ou “Nunca aconteceu comigo”. Sandy considera Caetano Veloso seu pai musical, mas também adora a voz de Gal Costa, a personalidade de Gilberto Gil, o relaxamento de Djavan e a firmeza de Joyce.
O carro-chefe de seu cd é “Não tenho pressa”, canção em português e italiano com um ritmo muito convidativo, que vem fazendo muito sucesso nas rádios italianas, além de ser vista pela crítica como uma balada aos moldes dos Tribalistas, trio formado por Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown. De acordo com Sandy, a canção sugere uma idéia “anti-stress”, ou seja, que o ser humano utilize o tempo em prol de si mesmo.
— De vez em quando precisamos nos dar ao luxo de não ter pressa, de fazer as coisas com calma, de encontrar o tempo para pensar, refletir sobre nós mesmos, sobre quem está ao nosso redor e sobre este mundo que vira, vira, sem nunca parar. Quem canta é uma pessoa não disposta a sacrificar-se pela frenesia do mundo atual, pois, sabe que não existe nada além do equilíbrio e reconhecimento do espaço justo para existir — salienta.
A cantora admite que gosta da poesia, do modo refinado dos Avion Trave. Porém não se esquece de citar Samuele Bersani, a quem admira pelo uso das palavras. A irreverência de Arto Lindsay e a leveza de Vitor Ramil, também são lembradas pela artista. Com essas citações, a cantora reafirma sua personalidade, construída sobre pilares brasileiros e italianos. Ela declara ser uma perfeita mistura entre cultura brasileira e italiana e acredita que este seja um dos seus diferenciais para o sucesso até agora obtido.
— Saber o português e o italiano e cantar nas duas línguas, acaba facilitando o contato com o público — explica.
Além de cantar o ritmo frenético dos nossos tempos, Sandy também propõe um tema triste e forte, que é a violência urbana nas grandes cidades. Ela revela que compôs a música depois de ter assistido a um show do grupo Afroreggae [originário da favela de Vigário Geral no Rio de Janeiro] realizado há cerca de três anos na Praça do Povo, em Roma.
— Na ocasião, foi exibido um documentário em que os jovens da favela, que promoveram o nascimento desse grupo para tirar as crianças da mira do narcotráfico, descreviam a dramática realidade da qual eram testemunhas e vítimas diariamente. Logo em seguida, os mesmos jovens estavam em cima do palco em Roma, demonstrando que as coisas podem mudar se realmente se quer — reflete Sandy.
No texto de “Nunca aconteceu comigo”, Sandy faz uma crônica dessa realidade da favela, enriquecida pela reflexão sobre a sua experiência pessoal. A cantora, que se define uma brasileira sui generis porque ter sempre vivido em Roma, sente-se privilegiada por pertencer a uma cultura brasileira tão humana e fértil. Por outro lado, segundo ela, é privilegiada por não sentir cotidianamente a realidade de violência urbana de algumas cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.
— Não somente a mim, mas a todos aqueles que vivem as próprias existências em cidades tranquilas, não como reféns da violência, é dedicado o refrão que diz: ‘Nunca aconteceu comigo mas foi só um acaso, um acaso que me salvou do caos’ — destaca.
Esta faixa do cd venceu o “Prêmio do júri popular” do concurso “Vozes pela liberdade 2004”, promovido pela Amnesty International Italia.
— A letra não foi escrita para o concursomas falava de condição humana e direitos civis, como pedia o edital — justifica-se.
“Samba da cozinheira” também compõe o primeiro cd da artista. Trata-se de um texto alegre que faz referência a uma mulher que não sabe cozinhar e questiona se esse “defeito” será um obstáculo na conquista do seu amado. Mas, ao mesmo tempo, Sandy interpreta uma mulher despreocupada e muito segura de si, pois sabe que, de um modo ou de outro, vai acabar dando um jeitinho e seus pratos serão deliciosos, com a introdução de um pouco de queijo e principalmente, alguns beijos, entre os ingredientes da receita: “Vou recuperar com queijo/ vou recuperar com beijo”, como diz o refrão.
Em “Solo tu”, cantada em italiano e português, a interpretação de Sandy ao som de ritmos do jazz, relembra Gal Costa.
— A pessoa amada é tudo e o contrário de tudo. Quem canta encontrou no amado aquilo aquilo que procurava e está completamente satisfeita por isso. Este é um verdadeiro canto de amor — assinala.
Além das canções de sua autoria, Sandy também interpreta composições de Caetano Veloso, Celso Fonseca e Moska, nas versões italianas de Max De Tomassi. Um destaque especial para “Lindeza”, de Caetano Veloso, muito bem apresentada na versão italiana denominada “Così bella”. A beleza da voz e interpretação de Sandy recebe o delicado acompanhamento de violinos com o arranjamento de Cláudio Pezzotta, assim como o solo de trompa de Lew Soloff conta com uma leve e distante percussão.
“Ultimo addio” (Último adeus), cantada em parceria com o próprio autor, Moska, além de ser interpretada em italiano e português, ganhou um novo arranjamento de Cláudio Pezzotta, muito diferente do original. O resultado foi apreciado não somente por Sandy, mas também pelo compositor brasileiro, que ainda se divertiu cantando algumas estrofes em italiano.
Com a carreira em ascensão na Itália, Sandy Müller espera poder lançar em breve seu cd também no Brasil. Enquanto isso, segue realizando uma série de shows pela Bota, divulgando seu trabalho e conquistando cada vez mais admiradores dessa sua música que é um misto contagiante de bossa nova, samba e ritmos eletrônicos.