Prefeito teme que se repita caso Ospedaletto Lodigiano. Embaixador da Itália alerta brasileiros para que desconfiem de ‘soluções rápidas’ para registro de cidadania italiana
DA REDAÇÃO
O escandaloso caso da pequena Ospedaletto Lodigiano, no norte da Itália, que tem apenas 1500 habitantes e teve recentemente cancelada a cidadania italiana de 1118 brasileiros, é a ponta de um iceberg. O jornal Corriere della Sera citou mais um caso que pode se desdobrar em outra incômoda situação para ítalo-brasileiros. Com apenas 3 mil habitantes, Val di Zoldo tem registrados 1600 brasileiros que alegam ser descendentes de italianos por “iure sanguinis”. O prefeito da cidade, Camillo De Pellegrin, acha tudo muito estranho. “Será que os documentos são autênticos? Espero que sim”, disse um ressabiado prefeito ao repórter do jornal.
A maioria dos “novos” italianos — alega Pellegrin — sequer fala uma sílaba em italiano ou sabe identificar os antepassados de quem herdaram o sobrenome.
A origem de tudo é uma provisão de Viminale, que remonta de 2017, a respeito do “iure sanguinis”. Abriu-se, portanto, um canal preferencial para imigrantes de outros países com ascendência italiana. É simples o processo. Basta que se apresentem no município italiano com documentos que provem a ancestralidade. O imigrante chega à Itália com um visto de turista, pede residência na cidade em que apresentou os documentos e aguarda a regularização como cidadão italiano. Processo que demora poucos meses para ser confirmado.
Outro atalho formidável para se manterem na Itália — aponta ironicamente o Corriere — é terem um contrato de trabalho, um lar e estarem sujeitos a renovação contínua do registro profissional no país, e tudo sem tocar no assunto “cidadania italiana”.
“Se há pessoas no Brasil que querem trabalhar, nossas portas estarão abertas. Isso deve ficar muito claro. Mas aqui estamos vendo algo muito diferente: a grande maioria dos brasileiros que chega aqui deixa a residência e desaparece. Também porque, nesse ponto, a lei permite que se movam para qualquer lugar. Conversei com alguns deles, mas não sabiam nada sobre suas origens e nem quem eram seus antepassados”, declarou o prefeito de Val di Zoldo.
O jornal pergunta: essas pessoas têm direito de colocar um passaporte italiano no bolso? “De acordo com os documentos que nos enviam, sim”, reconhece o resignado prefeito. “Mas enviei para as autoridades competentes o aviso de que no Brasil há aqueles que fazem documentos falsos”, completou De Pellegrin.
OUTRO LADO
Comunità ouviu o embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini, sobre o caso de Ospedaletto Lodigiano e possíveis situações semelhantes em outras cidades italianas. Perguntamos o que o governo vem fazendo para coibir a ação das quadrilhas que oferecem esses serviços à margem da lei. “Muitos casos de violação das leis de cidadania italianas foram encontrados pela polícia italiana. A embaixada e os consulados relatam anomalias relativas a pedidos de certificados de ‘non rinuncia’ de cidadania italiana. Alguns sujeitos exploram o desejo de obter a cidadania italiana de muitos oriundi, oferecendo serviços que nem sempre cumprem as leis italianas”, frisou Bernardini.
O embaixador reconhece que o problema que afeta a pequena Ospedaletto Lodigiano é mais comum do que se supõe. “As violações da lei são verificadas em muitos municípios. O caso de Ospedaletto é relevante para o número de pessoas envolvidas, mas não é o único na Itália”, assinala.
Até que ponto o caso recente em Ospedaletto ou mesmo de Val di Zoldo afeta a avaliação sobre os serviços consulares? A legislação deveria ser mais rigorosa para coibir esse tipo de problema envolvendo registro de cidadania italiana? Ainda não se sabe ao certo o caminho a ser seguido. A Itália passa por um apressado turbilhão eleitoral para o parlamento. A incerteza é reinante no país. Embaixada e consulados tentam filtrar o que podem para evitar problemas como os de Ospedaletto, mas a missão parece inglória. “Os serviços consulares estão sobrecarregados com pedidos de cidadania. Casos como o de Ospedaletto agravam ainda mais a situação de dificuldade que estamos experimentando. Não é problema de legislação ou de polícia. Estamos trabalhando para reduzir as listas de espera, e pedimos que desconfiem daqueles que oferecem soluções rápidas e custos exorbitantes”, alerta Bernardini.