Os oriundos da maior colônia italiana do estado do Rio querem revitalizar uma cultura que deixou como herança o apoio à arte e à industrialização
Avelino, Bellota, Boaretto, Colucci, Ludovico, Jannuzzi, Labanca, Pentagna, Romanelli, Siruffo. Os sobrenomes das famílias confirmam que Valença é uma grande colônia italiana do interior do estado do Rio de Janeiro. Situada no Vale do Paraíba do Sul, a cidade conhecida pelo ciclo do café, do qual restaram as suntuosas fazendas do século XIX que hoje viraram ponto turístico, recebeu centenas de imigrantes que participaram ativamente do processo de mudanças vividas no município após o fim da escravidão e o declínio da economia cafeeira. Na virada do século passado, a indústria precisava ser impulsionada para que um novo modelo de desenvolvimento fosse possível e a cidade se reinventasse economicamente. Prova disso foi a construção da fábrica da Companhia de Fiação e Tecidos Santa Rosa, a mando da família Pentagna. Valença acabaria se transformando em um dos maiores polos têxteis do Brasil, com uma prosperidade que durou até ser atingida pela recessão da década de 1990.
— Meu avô chegou ao Brasil quando estavam construindo a fábrica Santa Rosa. As máquinas foram montadas por um italiano, e ele chamava mão de obra especializada do país. E indicou meu avô, que trabalhou como carpinteiro e marceneiro da estrutura da fábrica, inaugurada em 1914. Meus tios também se empregaram. Anos depois, a família voltou à Itália para fazer tratamento de saúde. Só meus pais ficaram aqui — contou à Comunità Danilo Gomes, neto de Augusto Goitre, nascido no Piemonte, em entrevista concedida junto com outros descendentes nas dependências da Casa Lea Pentagna, forte referência da cultura italiana de Valença.
Ao lado de Danilo, Maria de Lourdes Siruffo revelou a história do avô, Antonio Milani Siruffo, nascido em Spezzao Albanese, uma cidade da Calábria.
— Ele era designer de sapatos e chegou ao Brasil em 1890. Na casa da família, montou uma oficina, onde fabricava modelos que os tropeiros da época levavam a outros estados — afirmou, mostrando, orgulhosa, uma antiga foto do talentoso avô calzolaio.
Com vários empreendimentos comerciais e industriais, a família Pentagna deu impulso a uma nova era econômica após o abandono das fazendas cafeeiras, que eram sustentadas pelo braço escravo. O próspero comerciante Nicola Pentagna — nascido em Scario, uma frazione da cidade de San Giovanni a Piro, situada na região do Cilento, na província de Salerno — escolheu o Vale do Paraíba para morar. Dono de firma de importação e fundador do Banco Italia Brazil, vivia em Valença desde 1878 com os dois irmãos Vito e Gaetano, e era amigo de ninguém menos que Antonio Jannuzzi, o imigrante de Fuscaldo que se tornou o maior empreiteiro da capital brasileira. A amizade aproximou o construtor de Valença e ali ele fixou uma espécie de residência de verão, conta o historiador Vittorio Cappelli no livro A belle époque italiana no Rio de Janeiro. Mas o empreendedorismo de Jannuzzi não descansou: ali ele também realizou projetos, como a Igreja Presbiteriana, um eclético edifício de 1913 que hospedou a Fábrica de Tiras, Rendas e Bordados, e o luxuoso Hotel Valenciano, de 1917-19, semelhante a um chalé alpino. Cappelli também atribuiu a Jannuzzi a autoria da estação ferroviária da cidade.
Comunidade quer revitalizar a cultura italiana local
A jornalista e produtora cultural Lenke Pentagna, descendente direta de Vito Pentagna, lembra que o ciclo da imigração na cidade fundada em 29 de Setembro de 1857 foi majoritariamente urbano.
— Vieram para o Brasil 375 famílias, sendo 88 de uma única cidade, San Giovanni a Piro, trazidos por meu tataravô Vito, um industrial que trouxe seus conterrâneos da Campânia para dar início à indústria têxtil local — contou à Comunità Lenke, ao se referir à construção da fábrica de tecidos Santa Rosa e da Usina Hidrelética, ambas inauguradas em 1914. Vito acabou morrendo poucos dias antes da inauguração.
Apesar de forte, a influência italiana na maior colônia fluminense “caiu no esquecimento”, reclamam os descendentes.
— Gostaria muito que isso fosse revertido e o turismo dos oriundi viesse descobrir a região. Além da beleza natural que deu à cidade o título de Princesa da Serra, como o Santuário Ambiental da Concórdia, os turistas podem se deliciar com o cardápio do jantar italiano, organizado anualmente pelos descendentes durante as festas da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Glória, em agosto, e conhecer o centro cultural que minha família criou há 30 anos. Temos projetos de festivais de música e de artes plásticas, além de um Festival de Cultura Italiana no local reunindo ópera, literatura, gastronomia e exposição de design e arquitetura — ressalta Lenke, ressaltando a bem-cuidada Casa Lea Pentagna, a poucos passos do centro da cidade.
Originalmente terra dos índios coroados, Valença, cidade natal da cantora Clementina de Jesus, é um dos berços do jongo, ritmo afro-brasileiro mantido como tradição em quilombos ocupados pelas mesmas famílias há mais de 100 anos. A convivência da imigração italiana com a herança indígena e africana deixou suas marcas, como a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens de Cor, que começou a ser construída por Miguel Tomás e escravos devotos em 1848. Em 1920, o monumento foi reconstruído por iniciativa da família Pentagna, conforme atestado em lápide da época.
Produção de mussarela italiana na maior bacia leiteira do RJ
Valença é também a maior bacia leiteira do estado. Pensando nisso, Patrick Urbano, neto de um calabrês, decidiu instalar ali a produção da Vitalatte em 2008, fundada com a missão de produzir a melhor linha de queijos frescos italianos no Brasil. A empresa é uma das principais fornecedoras de restaurantes italianos e mercados em diversos estados. Entre os mais vendidos aos restaurantes estão a burrata a mussarela fresca e a de búfala.
— Todos os anos vamos à Itália pesquisar equipamentos e novidades do mercado. Após visitarmos um laticínio em Caserta (na província de Nápoles), decidimos trazer a mussarela de búfala negra, feita com carvão em pó. Também fomos os primeiros a trazer a mussarela de búfala sem lactose ao Brasil, em 2013. Sempre procuramos manter uma linha inspirada em receitas italianas — destaca Patrick, sócio da Vitalatte junto a Enrico Leta.